Internacional – 19/06/2012 – 10:06
“Centenas de crianças já morreram em Uganda”
Atormentados por uma doença impiedosa e debilitante que os médicos não conseguem curar, os moradores de um remoto enclave no norte de Uganda recorrem a curandeiros tradicionais como Alfred Ojara.
Há poucos dias, Ojara entregou um elixir amargo feito de água e raízes de cipó às mãos contorcidas de Charles Okello, 12.
Uma fila de crianças —seus pacientes— era carregada delicadamente por seus pais à sombra de uma árvore.
O curandeiro, segurando um saco de pó, recomenda duas doses por dia para a cura da doença. “Se você fizer isso haverá melhora, sem dúvida.”
No entanto, quando se trata da doença do sono, um mal misterioso que atacou o cérebro e o sistema nervoso de milhares de crianças nessa parte da África, as dúvidas são consideráveis.
A doença do sono ainda é pouco compreendida pelos médicos. Ela impede o crescimento, causa atraso mental e convulsões. Ninguém sabe qual é a sua causa, e ela parece atacar somente crianças. Estas perdem o apetite, tornam-se frágeis e lentamente se esvaem.
A doença do sono foi durante muito tempo erroneamente diagnosticada como epilepsia ou cegueira do rio (oncocercose). Desde que foi identificada, teve de disputar a atenção da saúde pública com outras doenças como malária, tuberculose e HIV/Aids.
Enquanto isso, matou mais de 200 crianças de Uganda desde janeiro, segundo autoridades de saúde.
Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA enviaram especialistas para Uganda para pesquisar a doença, mas para as jovens vítimas não se encontrou muita ajuda.
Os centros de tratamento às vezes ficam a mais de um dia de caminhada. E lotes e mais lotes de remédios deixaram de reduzir os sintomas.
Um hospital regional recentemente pediu US$ 200 mil para combater a doença, mas recebeu menos de US$ 4 mil.
“A atenção de todos foi para a malária”, disse o doutor Nathan Onyachi, diretor do hospital de Gulu, Uganda, e o principal estrategista nos esforços para reagir à doença. “O HIV/Aids ocupou todos os médicos.” Por isso, os curandeiros tradicionais estão oferecendo remédios improvisados.
Um antigo botânico que está sob investigação policial e alega que pode curar a Aids, Ojara, 50, vem percorrendo a área rural onde ele cresceu, dando consultas embaixo de árvores para pais desesperados de crianças afetadas e prescrevendo o pó caseiro.
Ojara disse que tratou mais de cem crianças que tinham a doença do sono. O Ministério da Saúde de Uganda está fazendo testes para determinar se seus tratamentos têm algum efeito benéfico, mas os pacientes com poucas outras opções fazem fila para vê-lo.
A filha de Charles Okumu, Mercy, melhorou pouco depois de tomar a mistura de Ojara, mas ele disse que não tinha certeza se as ervas foram o motivo.
Ambrose Ssabiti, um oficial de polícia local, está trabalhando para compilar denúncias contra Ojara para acusá-lo de administrar falsos remédios e subverter um programa de saúde do governo. “Ele está confundindo a comunidade”, disse Ssabiti.
Fonte: The New York Times


