Manchetes trágicas marcaram o noticiário sul-mato-grossense em 2025: “Ex-marido que tentou matar mulher a tiros tinha mais de 8 passagens por violência doméstica”, “Noivo que matou jornalista tinha 11 registros de violência doméstica” e “Homem com várias passagens por agressão é preso após espancar a atual companheira”. Os casos não apenas chocam, como evidenciam um padrão: agressores reincidentes com histórico de violência, muitas vezes oculto de suas vítimas.
O assassinato da jornalista Vanessa Ricarte, em fevereiro, foi um dos crimes que mais repercutiu no estado e no país. Esfaqueada pelo ex-noivo Caio Nascimento, Vanessa havia procurado a polícia duas vezes antes de ser morta. O feminicida já somava 11 registros de violência doméstica e é acusado de manipular emocionalmente mulheres recém-separadas, muitas delas bem-sucedidas profissionalmente.
A brutalidade do caso trouxe à tona a urgência de ferramentas públicas que permitam às mulheres acessarem informações sobre possíveis agressores. Hoje, muitas vítimas descobrem o passado violento de seus companheiros tarde demais. Enquanto sites como o JusBrasil têm sido utilizados informalmente para esse fim, especialistas e parlamentares defendem que cabe ao Estado facilitar esse acesso, com segurança e responsabilidade.
Projetos de lei buscam ampliar cadastros públicos
Atualmente, Mato Grosso do Sul já conta com cadastros públicos de condenados por racismo e pedofilia. Após o feminicídio de Vanessa, pelo menos quatro projetos de lei foram apresentados na Assembleia Legislativa para criar cadastros específicos de condenados por violência doméstica e sexual.
Entre eles está o PL 83/2024, do deputado Pedro Pedrossian Neto (PSD), que propõe um Cadastro Estadual de Condenados por Crimes em Contexto de Violência Doméstica e Familiar. O banco de dados seria público apenas para condenações definitivas, sem identificação das vítimas, e com acesso completo por autoridades.
Já o PL 24/2025, do deputado João Henrique Catan (PL), prevê um aplicativo de consulta com nome, boletins de ocorrência, medidas protetivas e outras informações relevantes sobre agressores. A proposta busca integrar tecnologia à prevenção da violência.
Outro destaque é o PL 26/2025, do deputado Pedro Kemp (PT), que sugere um aplicativo para identificação de comportamentos abusivos, como perseguição, manipulação ou chantagem, com base em relatos e antecedentes. A ideia é ajudar mulheres a reconhecerem sinais de perigo antes que a violência escale.
Além disso, o deputado Coronel David (PL) propôs o Cadastro Estadual de Pessoas Condenadas por Crimes Sexuais, que ampliaria a lei já existente sobre pedófilos, permitindo a divulgação de informações e fotos de condenados por qualquer crime sexual previsto no Código Penal.
Prevenção sim, mas com responsabilidade
A criação de cadastros públicos também levanta preocupações sobre segurança de dados e riscos de disseminação de informações falsas, como o caso emblemático de Fabiane Maria de Jesus, morta por espancamento após ser confundida com uma sequestradora em uma fake news viral em 2014.
A deputada estadual Gleice Jane (PT) defende que os projetos venham acompanhados de salvaguardas legais: “É fundamental que qualquer proposta nesse sentido esteja alinhada com a proteção à dignidade das vítimas e a prevenção do uso indevido das informações”, afirmou.
Pressão por mudanças estruturais
Após o assassinato de Vanessa Ricarte, o Ministério das Mulheres enviou uma comitiva a Campo Grande. Uma das propostas foi a criação de uma força-tarefa para destravar mais de 6 mil processos parados na Delegacia da Mulher (Deam). Vanessa havia denunciado Caio, mas não recebeu a proteção adequada.
O caso também expôs falhas institucionais: em áudios divulgados pela vítima, ela relata o desprezo de uma delegada ao tentar registrar o histórico de violência. “Ela me disse que eu já sabia quem ele era, que ele mesmo havia contado”, disse Vanessa.
Conclusão
A escalada de feminicídios e agressões em Mato Grosso do Sul tem colocado o estado no centro de um debate nacional sobre acesso à informação, prevenção da violência e responsabilidade do poder público. A aprovação de cadastros públicos pode ser um passo importante, desde que acompanhada de transparência, critérios técnicos e respeito às vítimas, para que casos como o de Vanessa não se repitam.
Com informações Midiamax