CORREIO DO ESTADO – O governo argentino divulgou que concluiu obra de US$ 710 milhões para garantir uma ampliação de sua rede de gás natural, o que gera uma renovação de expectativas para conseguir atender também o mercado brasileiro. A importação do combustível da Argentina envolve usar o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), que corta Mato Grosso do Sul a partir de Corumbá. Nesse contexto, o governo estadual tem interesse por conta das receitas que podem ser geradas.
Além de reposicionar a Argentina no mercado regional de energia, o projeto é visto pela equipe econômica de Mato Grosso do Sul como uma possível saída para estancar a queda bilionária na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS) do gás. O Estado tem sofrido consecutivos recuos desde 2022, a medida que a produção boliviana diminui. Uma eventual consolidação da Argentina como fornecedor alternativo poderia devolver previsibilidade ao caixa estadual e aliviar a pressão fiscal enfrentada nos últimos anos.
O desenvolvimento da exploração de gás na Argentina, na região de Vaca Muerta, é uma medida que contribui para suplantar um gargalo com as negociações com a Bolívia. O país vizinho é um antigo fornecedor, porém a falta de investimento na exploração ao longo dos anos está fazendo a produção cair ano após ano, com previsão para ser esgotada a capacidade para exportação entre 2030 e 2031. Garantir o fornecimento da Argentina é uma estratégia, porém, o país também depende de investimentos constantes para conseguir atender ao mercado brasileiro e a sua demanda interna.
A consolidação de Vaca Muerta é considerada pelos especialistas do setor como a virada de chave da geopolítica do gás na América do Sul. O campo, que já ultrapassou os 90 milhões de m³/dia de produção, ainda tem espaço para dobrar esse volume com a expansão de infraestrutura. Para o Brasil, especialmente para estados como Mato Grosso do Sul, que dependem do Gasbol para gerar receita, a diversificação dos fornecedores reduz riscos e evita oscilações bruscas de arrecadação.

A obra de reversão do Gasoduto do Norte é estratégica, pois trata-se do ramal que era usado para a importação do gás da Bolívia para a Argentina. Os argentinos, com a redução gradual da venda boliviana, passaram a investir em abastecimento local, tanto com investimentos para melhorar a exploração em Vaca Muerta como conseguir distribuir o produto ao longo do país, além de criar espaço para a exportação.
Essa intervenção começou em 2024 e foi concluída com dois meses de antecedência, tendo sido inaugurada em no dia 4.
Houve a extensão de 62 quilômetros, inversão da direção da injeção de gás e a construção de 122 km de gasoduto para a província de Córdoba, localizada na região central do país. O Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) emprestou US$ 540 milhões e os outros US$ 170 milhões foram obtidos pelo governo nacional.
Conforme o governo da província de Córdoba, a obra vai gerar benefícios para ampliar negócios da Argentina com países vizinhos, incluindo o Brasil. “(A obra) permitirá a exportação de gás até Chile, Bolívia e Brasil, consolidando o papel da Argentina como um provedor regional de energia e promovendo a sustentabilidade energética para o país. Com esta obra, a Argentina deixa de importar gás da Bolívia e abastece, desde Vaca Muerta, casas e indústrias de Córdoba, Salta, Jujuy, Santiago del Estero, Catamarca, La Rioja e Tucumán”, informou em nota oficial.
O diretor de gás natural da Abrace, instituição que congrega os grandes consumidores no país, Adrianno Lorenzon, analisou que o potencial de gás a ser exportado pela Argentina para o Brasil pode, no futuro, alcançar em torno de 10 milhões de m³/dia. Atualmente, as negociações envolvem 2 milhões de m³. Esse fornecimento precisa passar pela Bolívia e vai ser nacionalizado em Mato Grosso do Sul, usando o sistema do gasoduto da TBG-ramal em funcionamento atualmente.
“São necessários investimentos (do governo argentino) para conseguir ampliar o atendimento ao mercado internacional e fornecer mais quantidade de gás ao Brasil, por exemplo”, detalhou Lorenzon em entrevista ao Correio do Estado.
O gasoduto La Carlota – Tío Pujio, inaugurado em no dia 4, corresponde a esforços argentinos para ampliar sua capacidade de fornecimento de gás. Com ele, são 19 milhões de m³/dia que podem ser transportados. Essa capacidade deve gerar para Córdoba, por exemplo, algo em torno de US$ 1 milhão em receita por ano. Por lá, 98% do território é atendido por ramais de gás, com 3.148 km de gasoduto e ramais. São mais de 900 mil pessoas na província que são atendidas, de acordo com o governo local.
A movimentação argentina tem despertado atenção não apenas de consumidores industriais, mas também do governo brasileiro. Nas últimas semanas, como publicado pelo Correio do Estado, Brasília intensificou as negociações técnicas para viabilizar o fluxo do gás argentino via Gasbol e garantir que, quando as exportações alcançarem volumes maiores, não hajam gargalos de transporte ou entraves regulatórios.
FORNECIMENTO
De acordo com a Abrace, o gás que é distribuído pelo gasoduto Gasbol atende hoje em torno de 15% a 20% do consumo nacional. A grande maioria de gás vem de áreas do pré-sal. Para o recorte regional, Mato Grosso do Sul tem interesse direto no bom desempenho do gasoduto que vem da Bolívia por conta da geração de receita com a nacionalização do combustível.
Em períodos de melhor desempenho, o gasoduto chegava a transportar algo em torno de 30 milhões de m³/dia, contudo, com a exploração na Bolívia reduzindo, essa capacidade desceu para os atuais 12 milhões de m³/dia.
Entre janeiro e maio deste ano, a queda na importação representou em uma redução na arrecadação aos cofres estaduais de US$ 19 milhões (mais de R$ 100 milhões) por conta do recolhimento menor de ICMS.
Conforme já publicado pelo Correio do Estado, o governo do Estado informou que em três anos, a queda da arrecadação com o gás natural foi de R$ 1,2 bilhão. A redução acabou motivando uma estratégia de corte de gastos em decorrência do aperto fiscal.
“A crise de receita do Estado está vinculada à diminuição do volume de gás importado da Bolívia. Porque esse ICMS é integral de Mato Grosso do Sul. Nós vamos fechar com R$ 1,2 bilhão de arrecadação a menos pela diminuição do gás”, disse o governador Eduardo Riedel ao Correio do Estado.
O impacto dessa perda tem sido tão expressivo que, conforme a matéria complementar, a reativação do fluxo pelo Gasbol com gás argentino é tratada nos bastidores do governo estadual como uma oportunidade de recuperar parte do fôlego fiscal. Técnicos da Secretaria de Fazenda estimam que, caso o volume argentino alcance patamares mais próximos do potencial citado pela Abrace (10 milhões de m³/dia), o Estado poderia compensar quase metade da queda registrada desde 2022.
CONSUMIDOR
Enquanto há esse cenário internacional de investimentos no fornecimento de gás, principalmente envolvendo a Argentina, em Mato Grosso do Sul e no Brasil as discussões estão envolvidas no reajuste para o consumidor. Há discussões tanto no aumento no transporte, tema que é tratado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ( ANP), como na distribuição, neste caso, cabendo ao governo do Estado as definições.
A TBG chegou a solicitar um reajuste que poderia alcançar 63% de aumento, o que poderia corresponder a cerca de 10% para o consumidor final. A ANP definiu que vai mudar a atual regra de reajuste e só em maio de 2026 fará definições.
Já o governo de Mato Grosso do Sul tenta prorrogar o contrato da Companhia de Gás de Mato Grosso do Sul (MSGás) de forma antecipada. Na primeira proposta apresentada, a Abrace apontou diferentes vícios que poderiam acarretar em aumento no valor final do gás para o consumidor. Essa proposta ainda está em análise, tramitando na Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos.


