Após ser declarada morta no SUS, mulher de 57 anos enfrenta calvário judicial para ter direito à saúde, pagar tratamentos do próprio bolso e ainda contesta valor irrisório fixado como reparação por danos morais.
Um erro grotesco no sistema de saúde pública transformou a vida de Rozangela Marquiza Gomes da Silva, de 57 anos, em um verdadeiro roteiro de terror e descrença. Moradora de Três Lagoas, no interior do Mato Grosso do Sul, a manicure foi surpreendida, em 2021, com a notícia de que havia sido oficialmente declarada morta pelo SUS — mesmo estando viva, ativa e buscando atendimento em uma unidade básica de saúde.
A situação surreal veio à tona quando Rozangela procurou o posto do bairro para realizar um procedimento odontológico e teve seu atendimento negado. O motivo? Seu prontuário indicava óbito. Sem alternativa, ela recorreu ao atendimento particular, gastando mais de R$ 4 mil em tratamento, prótese dentária e demais cuidados que deveriam ter sido custeados pelo sistema público de saúde.
“Eu tive que pagar tudo sozinha. E ainda ouvi que não havia nada a ser feito porque, no sistema, eu estava morta. Agora estou viva e querendo justiça”, declarou Rozangela, que precisou, literalmente, “ressuscitar” nos registros oficiais.
O episódio foi parar na Justiça. No entanto, o valor definido como compensação pelos danos morais foi motivo de nova indignação: apenas R$ 3 mil, além de R$ 1 mil destinados aos honorários advocatícios. Para a defesa da vítima, representada pelo advogado Deosdete de Oliveira Marquiza, o valor é simbólico e não representa a extensão do sofrimento e dos prejuízos causados. “Não é só uma questão de dinheiro. É o absurdo de alguém precisar provar que está viva para ser atendida em um serviço básico”, afirmou o advogado.
Como se não bastasse, o filho de Rozangela, então com 16 anos, passou por situação idêntica no mesmo ano: também foi considerado morto no sistema e teve atendimento negado. O caso só foi resolvido com nova intervenção judicial.
A principal suspeita é de que os erros tenham origem na exposição de dados pessoais ocorrida em 2019, quando milhões de registros do Ministério da Saúde ficaram vulneráveis. Desde então, falhas cadastrais têm gerado confusões em todo o país — e em Três Lagoas, o impacto foi trágico para essa família.
Ambos os recursos — da Prefeitura de Campo Grande, que tentou se eximir da responsabilidade, e da defesa de Rozangela, que pedia maior indenização — foram negados pelo juiz Marcelo Andrade Campos Silva, da 3ª Vara de Fazenda Pública.
Enquanto isso, Rozangela segue viva, ativa e determinada a não deixar sua luta cair no esquecimento. “Não quero que ninguém mais passe por isso. Porque estar vivo e ser tratado como morto é uma dor que não tem explicação.”