Internacional – 02/02/2012 – 08:02
Um relatório secreto da Otan, divulgado nesta quarta-feira pela imprensa britânica, acusa o serviço secreto do Paquistão, o ISI, de apoiar o Taleban afegão, no mesmo momento em que a chanceler paquistanesa visita Cabul em uma missão de reconciliação.
“Os oficiais do ISI sustentam a necessidade de continuar com a jihad e a expulsão dos invasores estrangeiros do Afeganistão”, afirma o relatório da Otan sobre o “Estado do Taleban”.
Apesar do relatório, a chanceler paquistanesa disse que seu país não tem nenhuma agenda secreta no Afeganistão. Hina Rabbani Khar acrescentou que as alegações contidas no relatório eram “um vinho velho em uma garrafa mais velha ainda”.
De acordo com a BBC, o documento resultado de 27 mil interrogatórios a que foram submetidos mais de 4 mil prisioneiros e membros da Al-Qaeda, assim como combatentes e civis estrangeiros, revela que o Paquistão e o ISI têm conhecimento dos locais onde vivem os líderes do Taleban.
O porta-voz da chancelaria paquistanesa rebateu as acusações, que chamou de “fúteis” e “indignas de comentários”. “Tudo isso é fútil, para falar com moderação. Desenvolvemos uma política de não interferência no Afeganistão e esperamos que os outros países respeitem estritamente este princípio”, declarou à AFP Abdul Basit.
“Também apoiamos o processo de reconciliação no Afeganistão desenvolvido pelos afegãos. O Paquistão sofreu muito com o longo conflito afegão. Nosso interesse está em ter um Afeganistão estável e em paz”, completou.
Após a reação irritada de Islamabad, a Força da Otan no Afeganistão (Isaf) se apressou a diminuir os efeitos do relatório e afirmou que o documento é apenas uma “compilação de comentários a partir do qual não se devem tirar conclusões”.
“Esse documento secreto é uma compilação de opiniões e de ideias de detidos do Taleban, baseada nos comentários durante suas detenções. É importante compreender, nesse contexto, e sobretudo não fazer conclusões baseadas nos comentários dos taleban”, declarou à AFP um dos porta-vozes da Isaf, o tenente-coronel Jimmie Cummings.
“Pode nos dar, de uma certa maneira, uma mostra representativa das opiniões dos taleban. Mas evidentemente não deve ser utilizado como uma interpretação dos avanços da campanha militar no Afeganistão”, completou.
Segundo o texto, o Taleban sofreu severos golpes em 2011, mas sua força, motivação, financiamento e capacidades seguem intactos.
Ele também garante que o Taleban pretende retomar o controle do Afeganistão depois que as forças da Otan e seus aliados deixarem o país. “Muitos afegãos já estão se preparando para uma eventual volta do Taleban”, disse o relatório. “Assim que a Isaf não for mais um fator (na luta), eles consideram sua vitória inevitável.”
Grandes áreas do Afeganistão já tiveram sua segurança transferida para as forças locais, e as últimas tropas de combate estrangeiras devem sair do país até o final de 2014.
A divulgação do relatório acontece no momento em que a ministra paquistanesa das Relações Exteriores, Hina Rabbani Khar, inicia em Cabul uma visita destinada a abrir “uma nova fase nas relações de cooperação entre os dois países”, nas palavras da diplomacia afegã.
“O caminho da estabilidade nessa região passa por Cabul. Nós consideramos que qualquer ameaça para a independência e a soberania do Afeganistão é uma ameaça para a existência do Paquistão”, disse. “Podemos desconsiderar isso como um vazamento potencialmente estratégico”, acrescentou.
O chanceler do Afeganistão Zalmai Rasoul disse que não poderia haver paz sem a cooperação regional. “O Paquistão tem um papel chave no processo de paz afegão. Eu espero que a visita de Rabbani é o começo de uma boa relação entre dois países”, disse.
Apesar da estratégia da Otan de realizar a segurança do país com forças afegãs, o documento detalha uma colaboração disseminada entre os insurgentes e a polícia e Exército do país.
O relatório termina com a conclusão de que, no ano passado, houve um interesse sem precedentes, até mesmo a partir de membros do governo afegão, em se unir a causa do Taleban. “Os civis afegãos frequentemente preferem o governo do Taleban do que o governo do Afeganistão, normalmente por conta da corrupção do governo.”
O Paquistão, que divide com o Afeganistão uma fronteira de mais de 2,5 mil km, reconheceu e apoiou o regime do Taleban, que ficou no poder de 1996 a 2001.
Depostos no fim de 2001 por uma intervenção militar estrangeira liderada pelos Estados Unidos, o Taleban recuperou terreno aos poucos a partir de 2005 e atualmente a guerrilha atua em mais de dois terços do país.
Nos últimos anos, o Paquistão, oficialmente aliado dos Estados Unidos, foi acusado regularmente pelo governo afegão e seus aliados da Otan de executar um jogo duplo ao apoiar pelo menos uma parte dos rebeldes, com o objetivo de preservar uma “profundidade estratégica” no Afeganistão e lutar contra a influência da Índia, seu rival histórico.
Fonte: iG