11/01/2016 – Atualizado em 11/01/2016
Por: Visão Jurídica por Gustavo Gottardi
A título de exemplo, Lenio Luiz Streck nos conta, em sua coluna, que foi noticiado há algum tempo que um juiz
federal absolveu um refugiado sírio por ter falsificado seu passaporte. Que ele tinha recebido visto de refugiado e agora queria ir para Inglaterra. Diz que a sentença não dá detalhes sobre algumas questões arroladas, como
comprovação de que o refugiado não conseguira trabalho, sua irmã morando em Londres etc. A absolvição se deu com a aquiescência do Ministério público sob a tese de inexigibilidade de conduta diversa.
Segundo o autor, moralmente, a referida decisão até pode estar correta, mas, faz as seguintes ponderações para que reflitamos sobre a complexidade do direito e da justiça: “Mas não havia mesmo outra conduta para o refugiado seguir? Ele tem de falsificar sua saída? Isso é conduta diversa? Em casos similares, essa decisão pode ser repetida? E se vale para refugiados, outras pessoas poderão falsificar passaportes? O problema está na pessoa do refugiado ou no tipo penal? O direito penal é do fato ou do autor?” (sic…)
Segundo o autor, o resultado da decisão até pode estar correto, mas não a fundamentação. Diz, ainda, que dias antes,esse mesmo juiz condenou um estrangeiro por transportar quatro ovos de Condor, ave considerada em extinção.Portanto, não há uma coerência em suas decisões, mas, sim, casuísmos.
As decisões judiciais, em regra, são corretas, respeitam os limites estabelecidos, mas, muitas vezes, nos deparamos com decisões que ultrapassam os limites legais, os procedimentos pré-estabelecidos, com a inversão de sua ordem,expedição de mandados de prisão sem a devida fundamentação, e também declaração de nulidade de lei de forma incidental, simplesmente por entender que determinada lei não se coaduna com a constituição, como se fosse simples assim.
Tal questionamento nos remete a uma análise de como deve ser realizada a interpretação da constituição e das leis em uma Democracia; de um lado, existe uma corrente que assevera que o papel da Corte Constitucional seria apenas de vigiar a manutenção da Constituição, não podendo adentrar no mérito das decisões legislativas, garantindo, apenas,que todos sejam ouvidos nesse processo de elaboração das leis.
Por outro, há os que entendem que a interpretação realizada pelas Cortes deve ser mais profunda, sendo exatamente este o ponto central do Estado Democrático de Direito, ou seja, a reabertura dos canais democráticos de participação pela via do Poder Judiciário.
No Brasil, em razão da desconfiança existente em face do Poder Legislativo, onde muitas leis ainda são elaboradas
apenas para satisfação de interesses de classes, em algum momento o judiciário terá que intervir para fazer valer
determinados direitos excluídos do processo legislativo. O segundo ponto é que o judiciário é praticamente o único local onde as minorias têm a possibilidade de assegurar
seus direitos, concretizando valores consubstanciados na constituição, assegurando direitos sociais, como por
exemplo, o direito à saúde, e vários outros direitos ligados às minorias.
Dessa forma, essa postura ativa do Poder Judiciário foi um risco que nosso constituinte optou em correr, pois, temos
uma constituição que assegura a garantia dos direitos fundamentais das minorias, mas essas minorias acabam ficando
de fora do processo de elaboração das leis por falta de representatividade, e, dessa forma, o julgador acaba
adentrando, inadvertidamente, nessas questões políticas, fazendo alterações das regras do jogo.
Portanto, necessário que se imponha regras para a decisão judicial (ou seja, um respeito à teoria da decisão judicial),sem que as decisões sejam tomadas ao livre arbítrio dos magistrados.
Penso que o caminho seria, nem a legalidade estrita, tampouco um subjetivismo, onde os julgadores assenhoram-se da posição de legislador, passando por cima das decisões tomadas pelo legislativo, que, em regra, são constitucionais, ferindo o princípio da conformidade funcional, que, segundo Canotilho “o resultado da interpretação não pode subverter ou perturbar o esquema-funcional constitucional estabelecido”.
O julgador deve ter uma pré-compreensão das estruturas do sistema jurídico e dos outros sistemas (social, político) para que decida da melhor maneira possível, respeitando os limites e o alcance dos poderes constituídos, em especial,no que concerne à posição do judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo.
Portanto, penso que o julgador não pode decidir casuisticamente, sem a observância dos procedimentos pré-
estabelecidos e das leis, mas, se assim o fizer, a fundamentação deve ser obrigatoriamente lastreada com
argumentação jurídica que não subverta o esquema-funcional constitucional pré-estabelecido, para que não demos abertura para alteração e supressão de direitos fundamentais (materiais e processuais) duramente conquistados


