Geral – 18/03/2012 – 10:03
Juiz diz que Lei da Anistia impede reabertura de casos ocorridos nos anos de chumbo
A Justiça Federal do Pará rejeitou nesta sexta-feira (16) a denúncia oferecida pelo MPF (Ministério Público Federal) contra o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió, o major Curió, pelo sequestro qualificado de cinco militantes durante o combate à Guerrilha do Araguaia, nos anos 70.
A recusa foi dada pelo juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, sudeste do Estado. A denúncia foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Marabá, pela qual o magistrado, que é titular da 1ª, está respondendo.
Em sua justificativa, o juiz usa como argumento central a Lei da Anistia, que perdoou crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, durante a ditadura militar (1964-1985). Para ele, a norma impede a reabertura de qualquer caso referente aos anos de chumbo.
“Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, diz o juiz.
Na denúncia, o MPF afirma que cinco pessoas – Maria Célia Corrêa (codinome Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia) – foram sequestradas por tropas comandadas pelo então major Curió entre janeiro e setembro de 1974.
Depois, foram levados para bases militares coordenadas por ele e submetidos a grave sofrimento físico e moral. Os cinco nunca mais foram encontrados. Se fosse condenado, Curió poderia pegar até 40 anos de prisão.
Em entrevista ao R7, o procurador da República Ivan Cláudio Marx, um dos responsáveis pela denúncia, disse que a ação não questiona a validade da Lei de Anistia, ratificada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2010.
Ele explica que o crime de sequestro qualificado, atribuído a Curió, tem caráter permanente. Isto é, continua a ocorrer até que as vítimas apareçam ou seus corpos sejam localizados. Além disso, não há possibilidade de prescrição (quando vence o prazo para que um réu seja punido).
- A pessoa [quando sequestrada] é privada da liberdade, e seus familiares não sabem o que aconteceu com ela. É um desaparecido. O fato é que você tem, juridicamente, apenas a prova de que essas pessoas foram sequestradas. Então, como diz o Código Penal, a prescrição não começa a correr enquanto não é cessada a permanência do crime.
No entanto, para o juiz João César Matos, a denúncia não faz referência “a documento ou elemento concreto que pudesse, mesmo a título indiciário, fornecer algum suporte à genérica alegação de que os desaparecidos a que se refere teriam sido – e permaneceriam até hoje – sequestrados.”
Em sua opinião, não basta alegar o desaparecimento das vítimas ou de seus corpos para que se configure o crime de sequestro.
“Aliás, dada a estrutura do tipo do sequestro, é de se questionar: sustenta o parquet [Ministério Público] que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto pelo denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia”, diz .
Matos afirma também que, mesmo que se admita o sequestro, a pretensão punitiva já estaria prescrita – ou seja, o Estado não poderia mais punir Curió.
A reportagem entrou em contato com o MPF do Pará, que informou que irá se pronunciar ainda hoje.
Em um comunicado divulgado hoje de manhã, a ONU (Organização das Nações Unidas) havia pedido à Justiça brasileira que aceitasse a denúncia e abrisse um processo contra Curió.
Para as Nações Unidas, a ação é um “primeiro passo crucial para lutar contra a impunidade que permeia o período do regime militar no Brasil”.
Fonte: R7


