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quinta-feira, 25 de dezembro, 2025

Jovem sobrevive à vingança por honra

Internacional – 10/12/2012 – 10:12

JALALABAD, Afeganistão – É milagroso que a jovem Gul Meena esteja viva. Depois de ser atingida 15 vezes por um machado, sua cabeça e seu rosto ficaram tão feridos que era possível ver seu cérebro. No entanto, ela resistiu o suficiente para chegar ao atendimento médico e então, apesar das limitações do que os médicos podiam fazer, agarrou-se à vida.

“Não tínhamos esperança de que ela sobrevivesse”, disse o doutor Zamiruddin, um neurocirurgião do Centro Médico Regional Nangarhar, na cidade de Jalalabad (leste do país), que como muitos afegãos usa apenas um nome. Depois que a jovem chegou, ele trabalhou durante mais de seis horas no centro cirúrgico rudimentar do hospital, delicadamente reinserindo seu cérebro e costurando seus muitos ferimentos.

Durante semanas ela esteve inconsciente e totalmente sozinha, sem parentes para cuidar dela. Isso porque, se os relatos de sua província natal forem verdadeiros, ela é uma adúltera: embora já fosse casada, fugiu com outro homem. Eles foram para o sul até que sua família os alcançou.

Os moradores dizem que o homem que a atacou com o machado e que também matou o homem que estava com ela provavelmente era o irmão de Meena.

O fato de ela ter chegado a um hospital e ter recebido atendimento é outro milagre: os moradores, os médicos e as enfermeiras que a ajudaram estavam desafiando uma tradição profundamente enraizada que exige a morte de mulheres adúlteras.

O “assassinato de honra” de mulheres existe em diversas culturas, mas no Afeganistão ele está firmemente ancorado no Pashtunwali, um código tribal antigo que predomina nas áreas do país de etnia pashtun.

O governo e os defensores de direitos civis lutam há anos para substituí-lo por um sistema jurídico civil nacional. Neste ano, foram relatadas seis dessas mortes no leste do Afeganistão. Para cada uma que é revelada, os defensores de direitos humanos acreditam que uma dúzia ou mais permanecem escondidas.

Apesar de ajudar Gul Meena, os médicos do Centro Médico Regional Nangarhar, que dizem que ela tem cerca de 18 anos, não tinham certeza sobre o que fazer com a jovem. “Nenhum parente apareceu para ajudá-la”, disse o doutor Abdul Shakoor Azimi, o diretor médico.

Gul Meena estava deitada sobre sua urina quando a repórter a visitou pela primeira vez, porque não havia parentes para trocar os lençóis. Os funcionários do hospital podiam cuidar dela esporadicamente, mas estão com excesso de trabalho. Sem um parente, a paciente não tem ninguém para pagar por medicamentos, soro, agulhas, comida ou roupas limpas.

O doutor Azimi dirige o fundo de caridade do hospital. Nas primeiras três semanas de atendimento de Gul Meena, o fundo e os médicos pagaram por tudo. Muitas mulheres não são tão afortunadas e jazem em túmulos anônimos. Mas, conforme a cultura se moderniza e as mulheres começam a considerar o casamento por amor, os códigos tribais são postos à prova.

Gul Meena chegou a uma aldeia na área rural de Nangarhar há cerca de dois meses, viajando com um homem chamado Qari Zakir.

A última vez que alguém viu Zakir foi cerca de uma semana depois de sua chegada, na véspera de seu assassinato. Ele foi visto comprando um grande saco de frutas, ao que parece em homenagem ao irmão de Gul Meena, que havia chegado alguns dias antes, disse o coronel Nasir Sulaimanzai, chefe da divisão de investigações da polícia de Nangarhar.

Na manhã seguinte, um parente de Zakir bateu na porta do casal. Como ninguém respondeu, ele subiu no muro e encontrou uma cena de carnificina: Zakir estava deitado na cama com sangue coagulado ao redor de seu pescoço, sua cabeça praticamente decepada. Gul Meena estava em outra cama, sangrando profundamente. Seu irmão havia desaparecido.

Moradores locais socorreram Meena e, em um carro emprestado, levaram-na para o hospital em Jalalabad.

O coronel Sulaimanzai considera o código tribal a origem do problema em um caso em que a lei civil afegã deveria prevalecer. “O que está nos destruindo é essa justiça não oficial e inútil”, disse.

O atacante ainda está solto. A polícia diz acreditar que ele escapou pela fronteira do Paquistão.

Ao final, foi um grupo de direitos humanos afegão-americano, as Mulheres pelas Mulheres Afegãs, quem conseguiu levar Gul Meena de Jalalabad para um hospital mais seguro e bem equipado em Cabul. “As coisas estão mudando, mas estão mudando lentamente”, disse Manizha Naderi, diretora da organização que hoje cuida de Gul Meena. “Estamos tentando mudar a cultura. Isso leva muito tempo.”

Fonte: Folha de São Paulo

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