Especialistas alertam: pena maior é avanço, mas só a educação e políticas públicas podem enfrentar as raízes da violência contra a mulher
Sancionada em 9 de outubro de 2024, a Lei 14.994 transformou o feminicídio em crime autônomo no Código Penal. Desde então, ao menos três condenações ocorreram em Mato Grosso do Sul com base na nova legislação, que estipula penas entre 20 e 40 anos de prisão, as mais altas do Código Penal.
A lei foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e da então ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. “Ela traz elementos para que de fato possamos ter um país sem feminicídio e sem impunidade”, afirmou Cida na época.
AVANÇO
A primeira condenação no Brasil com base na nova lei foi registrada em fevereiro de 2025, no Distrito Federal, com pena de 43 anos. Em Mato Grosso do Sul, três casos tiveram desfecho recente:
- Em 20 de agosto de 2025, Diego Pires de Souza foi condenado a 31 anos e 6 meses pela morte da própria mãe, Mariza Pires, 66 anos, golpeada com uma pá.
- No dia seguinte, Claudinei Aparecido da Silva, 29, recebeu pena de 37 anos pelo assassinato da ex-esposa, Lucilene Freitas dos Santos, 33, com um tiro na cabeça durante uma confraternização.
- Em 22 de agosto, Jefferson Nunes Ramos foi condenado a 38 anos e 3 meses por matar Gisele Cristina Oliskowski, mãe de quatro filhos, jogando-a em uma fossa e ateando fogo.
ANÁLISE
Apesar do endurecimento da pena, especialistas alertam que a mudança legislativa sozinha não impede os crimes. A professora e advogada Rejane Alves de Arruda, da UFMS, explica que a nova lei trouxe avanços importantes, como a criação de um tipo penal específico, o artigo 121-A, e a elevação da pena máxima.
“Mas isso é o que chamamos de direito penal simbólico. Ele não reduz a criminalidade, apenas responde a uma demanda social”, avalia. Para ela, é preciso ir além do punitivismo: “Políticas públicas que enfrentem as causas da violência são indispensáveis.”
EDUCAÇÃO
A prevenção começa na escola, segundo Rejane. Ela destaca que a conscientização desde cedo é uma das diretrizes do Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio, criado em 2023 e com plano de ação publicado em 2024. Com orçamento de R$ 2,5 bilhões, o pacto inclui ações de prevenção primária, secundária e terciária.
Mato Grosso do Sul aderiu ao pacto e, com base nele, lançou o programa estadual Protege, focado em prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres.
AÇÃO
O Protege, implantado em junho de 2025, já está em vigor nas escolas estaduais por meio dos grêmios estudantis. A proposta é envolver os jovens no debate e reconhecer que a violência pode surgir já nas primeiras relações afetivas.
“Já vemos casos de violência doméstica entre adolescentes. A escola é o ambiente ideal para essa conscientização”, destaca Carla Stephanini, coordenadora estadual da Casa da Mulher Brasileira.
Além da atuação preventiva, o programa fortalece a rede de acolhimento: 12 municípios passaram a gerir os Ceamcas (Centros de Atendimento à Mulher, Criança e Adolescente), e novas verbas foram destinadas ao programa Recomeços, que oferece auxílio financeiro e abrigo para mulheres em risco.
IMPACTO
A repercussão do feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, em fevereiro de 2025, também acelerou mudanças nos protocolos de atendimento. Vanessa foi morta pelo noivo após relatar a frieza no acolhimento da Casa da Mulher Brasileira. O caso levou à troca de delegadas e reestruturação dos serviços.
Houve ainda a instalação da 4ª Vara de Violência Doméstica e a digitalização do processo de solicitação de medidas protetivas, que chegam mais rapidamente ao Judiciário.
ORIENTAÇÃO
Para Rejane, o acolhimento das vítimas e a reeducação dos agressores são fundamentais para romper o ciclo da violência. “A pena deve ter dupla função: prevenir e recuperar. Se não tratarmos quem comete o crime, ele pode reincidir.”
Ela também reforça a importância da atenção aos sinais iniciais: “Tudo começa com a violência psicológica. Xingamentos, empurrões, controle… São os primeiros sinais. A mulher precisa agir antes que a situação evolua.”
AJUDA
Em Três Lagoas, mulheres em situação de violência podem procurar a Delegacia de Atendimento à Mulher (DAM), que atua com foco no acolhimento e na proteção da vítima. A cidade conta com uma rede de apoio que inclui assistência social, atendimento jurídico e psicológico.
Canais de denúncia e apoio em Três Lagoas e região:
- Delegacia de Atendimento à Mulher (DAM): Atendimento especializado a vítimas de violência doméstica.
- 180 – Central de Atendimento à Mulher (ligação gratuita e anônima, 24h)
- 190 – Emergências (Polícia Militar)
- Promuse – (67) 99180-0542 – Telefone e WhatsApp para denúncia e orientação
- CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social): Apoio psicossocial às vítimas de violência
Com informações Midiamax