Geral – 02/03/2012 – 09:03
A campanha eleitoral para as eleições parlamentares no Irã terminou nesta quinta-feira (1º) de maneira insossa. Nesta sexta-feira (2), o novo Congresso que será escolhido poderá radicalizar a política interna e tornar ainda mais difícil as relações com o exterior.
Os reformistas islâmicos, cujos principais líderes, Mehdi Karrubi e Mir Hussein Moussavi, estão há mais de um ano incomunicáveis numa prisão domiciliar, foram praticamente excluídos da votação. São os seguidores do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, e do presidente, Mahmoud Ahmadinejad, que disputam a maioria das 290 cadeiras.
Nos últimos sete dias de campanha eleitoral, os candidatos não discutiram diferenças ideológicas nem programas e o fator aglutinante foi a religião. No caso dos seguidores de Khamenei, o ponto em comum foi a luta contra o inimigo exterior, identificado como o Ocidente.
Em Teerã, sobretudo no norte, a zona mais rica da cidade, não é fácil encontrar alguém que diga que irá participar das eleições: “não vou votar, já votei nas eleições presidenciais por Moussavi e vimos o que se passou. Não vou perder tempo outra vez”, disse à Agência Efe o técnico de informática Iliad, de 26 anos.
Arezu, uma professora e dona de casa, de 32 anos, tem a mesma opinião: “só votei uma vez por necessidade, para poder retirar um documento. Não vou votar numa disputa entre eles”, reclamou.
Já o estudante universitário Moulavi, de 19 anos, que pertence à milícia radical Basij, tem postura inversa: “na universidade, poucos vão votar. Mas eu sim, para reforçar o líder Khamanei e defender nosso país”. Dois taxistas, que trabalham no norte de Teerã e vivem na zona operária do sul, discordam entre si: “isto não são eleições. É assim em todos os países muçulmanos”, diz um deles, muito crítico ao sistema.
Já o outro, repete palavras de ordem oficiais: “vou votar contra o inimigo”, em referência aos Estados Unidos e Israel. Várias pesquisas apontam que a participação popular nas eleições em Teerã ficará entre 35% e 40%, enquanto no resto do país esse número sobe para entre 55% e 60%, principalmente por causa das pequenas cidades e das áreas rurais. Jornalistas locais e diplomatas em Teerã disseram que na capital, além dos radicais islâmicos, só participarão das eleições funcionários de empresas públicas e pessoas que precisarem de um comprovante de voto para trâmites burocráticos.
Em pequenas cidades e nas áreas rurais o voto será mais amplo. Ahmadinejad e seus correligionários realizaram diversas visitas para esses locais nos últimos meses, para lembrar a entrega de subsídios a famílias humildes, a construção de casas e outras obras e a criação de empregos.
Os principalistas, o grupo mais radical do país e seguidores de Khamenei, acusaram Ahmadinejad de má gestão e corrupção, além de considerarem que muitos partidários de presidente não respeitam a primazia religiosa do regime. Se esse grupo conseguir uma vitória arrasadora, a política interna pode se tornar ainda mais radical e restrita, com maior protagonismo dos clérigos xiitas e dos militares, especialmente os que surgiram na Revolução Iraniana e na guerra com o Iraque.
Se os seguidores de Ahmadinejad mantiverem suas cadeiras, ou se aumentarem seu poder, o que é difícil, poderiam ser mais condescendentes na política interna, e principalmente favorecer uma economia mais aberta. As relações exteriores, que não dependem só da postura iraniana, mas também dos interesses na região dos EUA, União Europeia e de Israel, poderiam se radicalizar ainda mais com os principalistas.
Na questão nuclear, ambas as partes coincidem que o Irã não renunciará a seu programa atômico, que afirmam ser pacífico apesar das suspeitas da comunidade internacional. Apesar disso, diferem de como seu prosseguimento pode ser negociado. Enquanto Khamenei não cansa de repetir que o Irã avança com “golpes” e “bofetadas” no inimigo, o governo de Ahmadinejad se mostra timidamente disposto a falar com todos os países, exceto Israel, para solucionar o conflito nuclear e evitar assim mais sanções econômicas.
Abstenção
Perante a ameaça de abstenção, os ultraconservadores iranianos, com o líder supremo, Ali Khamenei, na liderança, tentam promover a participação nas eleições legislativas desta sexta-feira (2), que passam despercebidas para a população pelo conflito nuclear e pelos problemas econômicos.
Os sinais de guerra, após as ameaças enviadas dos Estados Unidos e de Israel de um possível ataque ao Irã para paralisar seu programa nuclear, que suspeitam de ter fins militares, desviou o interesse dos iranianos.
Os problemas econômicos derivados das sanções impostas pelos EUA e pela União Europeia ao Irã, materializados em uma forte alta de preços, sobretudo de produtos importados, são a preocupação mais forte da população, especialmente nas vésperas do Ano Novo iraniano, comemorado dia 20 de março, um período de fortes despesas familiares.
As sanções também incidiram na mudança de moeda, o que preocupa comerciantes e importadores, que presenciaram um grande encarecimento e escassez no mercado livre das divisas fortes, como o dólar e o euro, para suas transações.
Enquanto isso, a campanha passa quase despercebida, sem propaganda nas ruas e nem sequer a imprensa oferece informação eleitoral, salvo algumas breves notas sobre o número de candidatos, 3.444 para 290 cadeiras, e eleitores registrados, que são mais de 48 milhões maiores de 16 anos.
Os partidários de Khamenei, os mais radicais e agressivos do regime teocrático com o Ocidente, esperam dominar o Parlamento, de 290 cadeiras, após excluir como candidatos a maioria dos reformistas e também muitos seguidores do presidente, Mahmoud Ahmadinejad.
No entanto, em províncias e no meio rural, a pré-campanha de Ahmadinejad e seus partidários foi muito intensa, com grande presença do presidente e altos cargos governamentais nos últimos meses, o que pode causar surpresas no resultado eleitoral.
No meio desta luta, a pouca publicidade e aparente superioridade dos partidários de Khamenei podem levar a abstenção de grande parte dos eleitores, o que fez com que Khamenei e seus seguidores recorressem ao medo do inimigo exterior para convencer os cidadãos que participem como mostra da unidade dos iranianos.
Há poucas semanas, Khamenei disse que o Irã deve “dar outro duro golpe aos inimigos (exteriores) com sua participação em massa e entusiasta nas novas eleições parlamentares” realizadas desde a implantação da República Islâmica, em 1979.
Na linha do líder supremo, o ministro iraniano de Inteligência, Heydar Moslehi, advertiu recentemente sobre complôs para criar “tensão durante as próximas eleições parlamentares” e pediu “uma participação em massa para derrotar os inimigos e reforçar a unidade e a convergência na nação”.
Diplomatas credenciados em Teerã disseram à Agência Efe que o temor dos aliados de Khamenei, que criticam o desinteresse dos reformistas nas eleições enquanto atacam o entorno de Ahmadinejad, que acusam de pôr em dúvida a primazia religiosa no regime, é que uma abstenção em massa deslegitime seu previsível triunfo.
Por enquanto, o Movimento Verde, organizado após as denúncias de fraude nas eleições presidenciais de 2009, que Ahmadinejad ganhou oficialmente, promove o boicote às eleições, enquanto seus líderes, Mehdi Karrubi e Mir Hossein Mousavi, estão há mais de um ano em rígida prisão domiciliar, praticamente incomunicáveis.
Outros reformistas, como o ex-presidente Mohamad Khatami, deixado de fora da política, não promoveram o boicote, e consideraram que não há circunstâncias para se apresentarem. Dezenas de pessoas próximas a Ahmadinejad acabaram processadas ou presas, o que faz com que estas eleições tenham se transformado nas mais restritas nos 33 anos da República Islâmica.
Pela primei
ra vez, é necessário um mestrado universitário para aspirar a uma cadeira, mas os deputados que passaram uma legislatura completa de quatro anos no Parlamento podem concorrer.
Isto facilita a presença de deputados veteranos, com uma demonstrada lealdade a Khamenei, e dificulta o acesso ao legislativo de novos políticos, especialmente os populares. O parlamentar e sindicalista Ali Reza Mahyub disse que, com esta medida, apenas 1% dos iranianos podem se apresentar às eleições, que considerou discriminatórias por motivos econômicos.
Dissidentes
O Irã teve uma dramática escalada na repressão contra dissidentes com a aproximação das eleições parlamentares desta sexta-feira, prendendo advogados, estudantes e jornalistas e mirando os meios de comunicação eletrônicos, afirmou o grupo de Direitos Humanos Anistia Internacional, na terça-feira (28).
“Nos dias de hoje, no Irã, você se coloca em risco caso faça qualquer coisa que está fora dos cada vez mais restritos limites que as autoridades acreditam ser socialmente e politicamente aceitáveis”, afirmou a especialista em Oriente Médio da Anistia Internacional, Ann Harrison.
A eleição desta sexta será a primeira votação nacional desde a contestada reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, que deu início a oito meses de agitação popular e uma massacrante resposta do Estado.
As prisões visam uma série de grupos, incluindo advogados, estudantes, jornalistas, ativistas políticos e seus parentes, minorias étnicas e religiosas, cineastas e pessoas com conexões internacionais, afirmou a Anistia.
O grupo de Direitos Humanos disse que a repressão “expunha o vazio das afirmações do Irã em apoio aos protestos no Oriente Médio e Norte da África”.
A repressão visa a mídia eletrônica, vista por autoridades do Irã como uma das principais ameaças, disse a Anistia.
Milhões de iranianos têm experimentado interrupções em suas caixas de email e acesso à Internet com a aproximação das eleições, incluindo problemas em sites acessados por meio de softwares redes privadas que muitos iranianos usam para driblar os filtros do governo.
A organização clamou para outros países não permitirem que as tensões com o programa nuclear iraniano distraiam-nos de pressionar o país a cumprir suas obrigações com os Direitos Humanos.
Fonte: R7 / Kamran Jebreili/29.02.12/AFP