Diretor da Fundação Santillana defende políticas públicas que reconheçam a diversidade e combatam a educação como herança de classe
A superação das desigualdades de aprendizagem nas escolas brasileiras exige romper com um problema histórico: a naturalização das desigualdades sociais, segundo André Lázaro, diretor de Políticas Públicas da Fundação Santillana. Para ele, a má qualidade dos resultados educacionais não é apenas um acaso ou deficiência pontual, mas parte de um sistema profundamente enraizado em heranças históricas.
“Joaquim Nabuco já alertava que um país que viveu 300 anos de escravidão demoraria a reconhecer a igualdade de todos. Ainda estamos nessa fase”, afirma Lázaro.

HERANÇA
A educação, segundo o especialista, continua sendo um privilégio de classe, e não um direito garantido a todos. Os dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025 confirmam esse cenário: em 2023, apenas 2,4% dos jovens do 3º ano do ensino médio entre os 20% mais pobres tiveram aprendizagem adequada em matemática e língua portuguesa, contra 16,3% entre os 20% mais ricos.
“Quando se analisa por localização e renda, as diferenças saltam para até 20 pontos percentuais”, alerta o professor.
RAÇA
Além da desigualdade de renda, Lázaro destaca que a população negra ainda enfrenta desvantagens profundas no acesso à educação de qualidade. A situação é agravada no campo: há 5 milhões de matrículas em escolas rurais, o que representa 12% do total nacional. Ainda assim, entre 2014 e 2024, 16 mil escolas municipais rurais foram fechadas.
“Isso não é só consequência da mudança demográfica. É uma forma de expulsar as famílias do campo, pressionando pela venda de terras e ampliando a concentração fundiária”, critica.
ACESSO
Apesar das desigualdades, o país avançou na inclusão escolar. O anuário mostra que 95% das crianças ingressam na pré-escola. Em 2024, 97,6% dos jovens de 11 a 14 anos estavam matriculados nos anos finais do ensino fundamental, próximo da universalização. Já no ensino médio, a taxa de matrícula chegou a 82,8% entre jovens de 15 a 17 anos, frente aos 72,9% registrados em 2014.
“O Brasil tem uma população escolar maior que a da Argentina. Com docentes, ultrapassamos a população da Espanha”, comenta.
QUALIDADE
Apesar dos avanços no acesso, os níveis de aprendizagem permanecem insatisfatórios. Apenas 4,5% dos alunos da rede pública do 3º ano do ensino médio tiveram desempenho adequado em português e matemática. Mesmo nas escolas particulares, o índice foi de 28%.
“Até entre os mais ricos, os resultados são ruins. Isso mostra que o problema não é só da rede pública, mas nacional”, observa Lázaro.
DIVERSIDADE
Lázaro critica a tendência à padronização imposta por políticas como a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que, segundo ele, desconsidera as especificidades regionais. “Estamos tratando igualdade como uniformidade. A verdadeira igualdade deveria reconhecer a diversidade”, defende.
DOCÊNCIA
A desvalorização da carreira docente é outro ponto crítico. O anuário revela que 49% dos professores das redes estaduais têm contratos temporários. Para Lázaro, essa rotatividade prejudica a construção de identidade e continuidade pedagógica nas escolas.
“Como se constrói espírito de equipe se metade da equipe muda a cada ano?”, questiona.
AFIRMATIVAS
Entre os caminhos para enfrentar a desigualdade educacional, Lázaro destaca as políticas afirmativas no ensino superior, como o sistema de cotas. “As cotas abriram espaço para jovens negros e pobres na universidade pública. Hoje, temos intelectuais formados por esse sistema que são vozes importantes no debate público”, afirma.
Com informações Agência Brasil