Morador conhecido como “Cheiroso” é internado após mobilização; caso reacende debate sobre política pública e humanidade nas ruas
Durante anos, quem passava pela esquina da Filinto Müller com a Paranaíba sabia exatamente o que esperar: a barraca desgastada pelo tempo, o amontoado de objetos que chegavam como doações e Adriano — o “Cheiroso” — sempre ali, firme no mesmo ponto, como se a calçada tivesse virado endereço oficial. Ele não era apenas um homem em situação de rua; era parte do cenário, conhecido por todos, mas compreendido por poucos.
Na manhã desta quinta-feira (4), a paisagem mudou. A barraca sumiu, o canteiro foi limpo e, no lugar onde antes havia um amontoado de dias difíceis, ficou apenas o vazio. Adriano não estava mais lá. Desta vez, atravessou a avenida não para pedir moedas no semáforo, mas para iniciar um tratamento especializado de saúde mental.
A ação envolveu equipes de saúde e assistência social, além da presença de autoridades municipais que vinham pressionando por uma intervenção, sob o argumento de risco sanitário, segurança pública e a necessidade de preservar a integridade física do morador. Após avaliações técnicas que apontaram agravamento do quadro de vulnerabilidade de Adriano, a internação foi autorizada e aconteceu sem resistência.
A história dele, no entanto, não se resume ao momento da retirada. Adriano vivia há anos naquele pedaço do canteiro. Ganhou a barraca de um morador, recebia água, comida, roupas e cobertores de comerciantes e vizinhos, e pedia dinheiro para comprar cerveja e cigarro. A Assistência Social tentou diversas vezes oferecer abrigo, acolhimento e acompanhamento, mas ele sempre recusava — talvez por medo, talvez por hábito, talvez porque a rua, com toda a sua dureza, já era o que ele conhecia de estabilidade.
A presença constante de Adriano alimentava debates na cidade: saúde pública, abandono, acolhimento, segurança, políticas para dependência química, direitos humanos. E, no fundo, a pergunta que ninguém conseguia responder: o que fazer quando alguém precisa de ajuda, mas não consegue pedir?
Três Lagoas, como outras cidades brasileiras, enfrenta o aumento da população em situação de rua e a falta de soluções estruturais para sofrimento mental, pobreza e dependência química. A internação de Adriano é vista por servidores e autoridades como um avanço pontual — necessário, urgente — mas também deixa evidente que a cidade ainda busca caminhos mais sólidos.
A Secretaria de Assistência Social afirma que seguirá acompanhando o caso e que o tratamento abre possibilidade de reinserção social, ainda sem previsão de alta. A área onde ele vivia foi reorganizada e seguirá monitorada para evitar novas ocupações.
Agora, resta a imagem do canteiro vazio. Mas a ausência de Adriano diz mais do que sua presença cotidiana costumava dizer. A cidade inteira viu sua história se desenrolar ao longo dos anos — e, ainda que tarde, empurrou um capítulo para a direção certa.
Se será o começo de uma reconstrução, só o tempo dirá. Por enquanto, o que fica é o lembrete desconfortável de que ninguém deveria virar ponto de referência urbano. E que olhar para quem vive nas margens exige mais que limpeza de calçada: exige política pública, cuidado e, acima de tudo, humanidade.


