Da escola aos espaços públicos de uso comum, cada degrau é um obstáculo que impede a participação plena de pessoas com deficiência na vida da cidade
Em frente à Escola Estadual Afonso Pena, um ponto de encontro escolhido para simbolizar um desafio maior, três mulheres se reuniram para jogar luz sobre uma verdade inconveniente: Três Lagoas não é acessível. Sandra, Hellen e Vânia, cada uma com suas experiências e perspectivas, desnudam um problema que vai muito além dos muros de uma escola.
Sandra Latta, arquiteta com 35 anos de experiência e, mais recentemente, presidente do Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência, dedica os últimos três anos de sua vida a uma pós-graduação em acessibilidade. Sua presença ali, com um broche de acessibilidade no peito e a imagem cuidadosamente descrita para inclusão, já era um manifesto. “O problema não é único dessa escola”, ela sentencia, com a clareza de quem estuda o tema a fundo. “A cidade toda, em todos os lugares, inclusive públicos e de uso comum, apresentam problemas”.
Segundo Sandra, que dedicou tempo a tirar medidas no local, rampas e escadas estão em total desacordo com as normas técnicas da ABNT. Uma realidade alarmante quando se pensa que a acessibilidade deveria ser um direito básico, correspondente a cerca de 30% da população – um dado que clama por “olhar para a acessibilidade com outros olhos”. Sandra não é apenas uma arquiteta; é uma defensora incansável, e sua análise técnica se une à voz da experiência diária.




LUTA POR AUTONOMIA
O relato de Vânia Queiroz é um soco no estômago da indiferença. Cadeirante, ela descreve um cotidiano de barreiras intransponíveis. “Cadeirantes não conseguem acessar rampas, o acesso é dificultado e sem autonomia”, desabafa. A frustração se estende por cada esquina da cidade: “Lojas, consultórios não fazem adaptações na rampa para estarem nas normas. Na rua João Carrato, no centro, tudo tem degrau. Não consigo ter acesso às calçadas, nem às lojas”.
Vânia, que se locomove com triciclo e cadeira de rodas, ilustra a complexidade da questão. “Cada um tem suas especificidades na doença. Com meu triciclo, algumas rampas eu consigo subir, mas quando saio de cadeira de rodas, fico muito limitada”. Ela pontua a incompreensão que muitas vezes sofrem: “Às vezes, quem está na cadeira manual ainda consegue subir, mas a cadeira elétrica é mais limitada. Muitos criticam, mas cada cadeira, ou às vezes a pessoa tem suporte, ajuda. Lugares precisam ser, de fato, acessíveis. Não serve se só é acessível para um, tem que ser acessível para todos”. Suas palavras ressoam como um apelo por um entendimento mais amplo e empático do que realmente significa acessibilidade.
DOR E HUMILHAÇÃO COTIDIANA
O testemunho de Hellen Cristina Romana, 42, aposentada, traz a dimensão mais comovente do problema. Como mãe cadeirante, a alegria de ver a filha em eventos e apresentações se transformava em frustração. “Na maioria das vezes, não conseguia ver as apresentações. Hoje ainda enfrento essa dificuldade, pois nunca tem um lugar específico para ficar, fica muito difícil ir a eventos”.
As situações de constrangimento são diárias. “Já fui em muitas lojas onde era atendida na porta, pois não tinha como entrar. Quando se compra uma roupa até vai, mas para comprar uma roupa íntima, por exemplo, é muito constrangedor”, relata Hellen. A área da saúde, que deveria ser um porto seguro, também se revela um campo minado: “Para fazer consulta médica, por exemplo, é impossível passar para a maca. Elas são muito altas e geralmente só tem mulheres”.
Hellen ainda guarda a cicatriz de um episódio emblemático em sua própria colação de grau no Sest Senat. “Onde tem um acesso para cadeirante por fora do auditório, no dia estava trancado e ninguém encontrou a chave”, conta, resumindo o descaso que muitas vezes anula o direito de participação plena.
A realidade exposta por Sandra, Vânia e Hellen é um espelho de Três Lagoas. A falta de adequação às normas da ABNT não é um mero detalhe técnico; é uma barreira concreta que impede quase um terço da população de viver com dignidade e autonomia. A questão da acessibilidade em Três Lagoas é um grito urgente por uma cidade que compreenda e incorpore a verdadeira inclusão em sua essência.
Diante dessa realidade desafiadora, que escancara as barreiras enfrentadas diariamente por quase um terço da população, a luta por inclusão em Três Lagoas ganha vozes e ações concretas. Como presidente do Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência, Sandra Lata já tem levado a pauta diretamente às mais altas esferas, com reuniões que incluem o prefeito Dr. Cassiano Maia, outras autoridades locais e até mesmo representantes do governo federal. Esses encontros visam um objetivo claro: fazer valer o cumprimento das leis e a adequação urgente dos espaços às normas da ABNT, um passo fundamental para que Três Lagoas, de fato, abrace a verdadeira inclusão e se torne uma cidade para todos.