Desafiando a monocultura do eucalipto, a citricultura floresce e se consolida como nova fronteira de desenvolvimento e diversificação econômica em Três Lagoas, impulsionada por investimentos, legislação protetiva e a visão de pioneiros como Eduardo Sgobi
Em meio ao verde onipresente dos eucaliptos que dominam a paisagem de Três Lagoas, capital da celulose e polo industrial consolidado, uma cor vibrante e inesperada começa a pontilhar o horizonte: o laranja. Longe dos holofotes da pecuária e da agricultura tradicionais na região, a citricultura emerge como uma aposta ousada, que se enraíza na visão de pioneiros e ganha impulso com a articulação de autoridades e novas políticas.
A história dessa doce revolução em Três Lagoas tem um rosto e um sobrenome: Eduardo Garbin Sgobi. Engenheiro agrônomo e herdeiro de uma linhagem de citricultores paulistas, Eduardo e sua família decidiram, há quase duas décadas, plantar sementes de um futuro diferente. Em 2007, quando a citricultura em São Paulo enfrentava seus próprios desafios e os pomares envelheciam, a Fazenda Paraíso, adquirida em 1989 na região de Garcia, distrito de Três Lagoas, tornou-se um laboratório de esperança.
“Viemos com a ideia de testar uma nova área”, explica Eduardo, com o brilho nos olhos de quem vê o impossível se tornar realidade. “Aqui, notamos que a altitude, o clima e os períodos de veranico favoreciam a concentração de sólidos na fruta, o que eleva o rendimento industrial.” O que começou como um experimento tímido, em um solo desconhecido para o cultivo de cítricos, hoje é um testemunho de resiliência, tecnologia e produtividade.
Mas o caminho até aqui não foi pavimentado apenas com o sol sul-mato-grossense. Nos primeiros anos, a Fazenda Paraíso foi duramente atingida pelo cancro cítrico, uma doença que impôs o arrancamento de talhões inteiros e dois anos de inatividade. Contudo, a persistência de Eduardo, aliada às mudanças na legislação e a adoção de técnicas de manejo inovadoras, permitiu que a produção florescesse novamente. “Aplicamos técnicas que permitem conviver com a doença. Temos controle rigoroso: colhemos frutos aleatoriamente para análise e, se mais de 1% apresentar sintomas, tomamos medidas imediatas”, detalha Eduardo, hoje operando em uma área de mitigação de risco aprovada pelo Ministério da Agricultura.

EXPOTRÊS
A visão de Eduardo Sgobi, antes um farol solitário, hoje encontra eco e apoio nas esferas públicas. A Expotrês, tradicional feira agropecuária de Três Lagoas, que em sua 47ª edição ampliou a programação técnica, se tornou palco para discussões cruciais sobre o futuro da citricultura. O Fundecitrus, representado pelo engenheiro-agrônomo Éder Cardoso, marcou presença na mesa-redonda que reuniu importantes nomes da política e do agronegócio, como a Senadora Tereza Cristina Correa e o Prefeito de Três Lagoas, Dr. Cassiano Maia. O consenso foi claro: a legislação estadual e o controle rigoroso de pragas e doenças, especialmente o greening, são pilares para a sustentabilidade e expansão da citricultura em Mato Grosso do Sul.
A relevância do tema ganhou força em fevereiro deste ano, quando a Prefeitura de Três Lagoas, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SEDECT), promoveu uma reunião estratégica. O encontro, que reuniu diversas autoridades e instituições como a SEMADESC, IAGRO-MS e o próprio Sindicato Rural de Três Lagoas, reforçou o potencial da citricultura como nova oportunidade de investimento no município. As condições favoráveis do estado, como a legislação sanitária rígida e a ampla disponibilidade de água, foram amplamente debatidas como atrativos para grandes investimentos no setor.
LEGISLAÇÃO
O comprometimento de Três Lagoas com a citricultura se materializou em março, com a sanção da Lei nº 4.284, de 29 de abril de 2025. A medida, que acompanha a legislação estadual (Lei nº 6.293/2024), proíbe o plantio, comércio, transporte e produção da Murta (Murraya paniculata). Esta planta exótica, também conhecida como murta de cheiro ou dama da noite, é uma hospedeira da bactéria causadora do greening, doença devastadora para os pomares de citros.
A decisão da prefeitura, embasada em recomendações da Embrapa, é estratégica. A murta atrai o inseto vetor Diaphorina citri, responsável por disseminar a bactéria Candidatus liberibacter ssp, representando uma ameaça direta à expansão da citricultura no estado. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agronegócio (SEMEA) já iniciou o mapeamento das áreas públicas com murta para sua erradicação e substituição por espécies ornamentais mais seguras e igualmente estéticas, como pingo-de-ouro, clusia e cróton. Além disso, ações de conscientização e orientação para a remoção em áreas privadas estão sendo planejadas.
Essa ação não é isolada, mas parte de uma estratégia mais ampla de fomento ao agronegócio local. Com condições favoráveis de solo, clima e disponibilidade de água, Três Lagoas se consolida como um polo emergente na produção de citros, atraindo produtores e grandes grupos do setor. A aposta de Eduardo Sgobi, antes vista como ousadia em uma terra de eucaliptos e gado, floresce e aponta para um futuro onde o aroma cítrico irá se mistura ao cheiro de celulose, desenhando uma nova e diversificada matriz econômica para Três Lagoas.