Três Lagoas ainda lidera índices de violência contra a mulher. Evento na Câmara tenta ir além do discurso institucional e alcançar quem mais precisa: as mulheres em situação de vulnerabilidade
Com 25 cadeiras vazias no plenário, cada uma marcada por uma rosa, a Câmara Municipal de Três Lagoas encerrou nesta sexta-feira, 29, a programação do Agosto Lilás. A ação simbólica representou as vítimas de feminicídio no município somente neste ano, escancarando a urgência do enfrentamento à violência de gênero na cidade.
O evento, promovido em parceria entre a Procuradoria da Mulher, a Escola do Legislativo e as vereadoras Evalda Reis, Maria Diogo e Sirlene Santos, reuniu representantes do poder público, servidores, estudantes e profissionais de saúde para uma manhã de reflexões e formações. A proposta foi clara: transformar o espaço político em lugar de escuta, denúncia e construção de estratégias mais efetivas.
Apesar do ambiente institucional, o tom predominante foi de crítica e cobrança. Três Lagoas figura entre os municípios com maiores índices de violência contra a mulher no Mato Grosso do Sul, incluindo casos de feminicídio, assédio e agressões recorrentes. E ainda assim, grande parte das vítimas sequer identifica que está sofrendo violência.
Franciele Soares, coordenadora da Procuradoria da Mulher, chamou atenção para essa realidade. Segundo ela, o desafio é chegar até as mulheres que estão fora dos radares institucionais, especialmente em bairros mais periféricos e ambientes familiares onde o silêncio impera. “Tem mulher que sofre violência e não denuncia. E tem mulher que sofre violência e não sabe que está sofrendo. A Procuradoria precisa chegar até elas”, afirmou.
Durante o encontro, houve a apresentação da ação “Respeito e Violência: entendendo os limites e possibilidades”, conduzida por estudantes de Psicologia, Direito e Medicina. A atividade debateu o papel do Estado, da comunidade e dos profissionais da saúde no acolhimento das vítimas, e foi pensada como uma formação para os servidores da Câmara.
A vereadora Maria Diogo destacou que ocupar o espaço do Legislativo como mulher, diante de dados tão alarmantes, é uma missão que exige enfrentamento constante. “Três Lagoas ainda lidera o ranking de violência contra a mulher. A gente precisa falar sobre isso nas escolas, nas unidades de saúde, nas ruas. Não é uma luta de um mês, é de todos os dias.”
A médica Karla Regina Anacleto Izidorio, ginecologista e docente da UFMS, encerrou o evento com uma palestra sobre saúde da mulher. Com experiência em pré-natal de alto risco, ela trouxe reflexões sobre a sobrecarga feminina, a negligência médica e a necessidade de um olhar mais integral para os cuidados com a mulher. “A mulher é sempre vista como cuidadora. Mas quem cuida dela quando ela adoece? Quem escuta suas dores?”, questionou.
A manhã terminou com a mesma força simbólica com que começou. As cadeiras vazias permaneceram ali, como um lembrete silencioso das vidas interrompidas. Para a vereadora Evalda Reis, responsável pelo encerramento da campanha, elas representam famílias que perderam filhas, mães, irmãs. “São espaços que não serão mais ocupados. São histórias que não continuarão. Que cada pessoa aqui seja voz ativa na defesa das mulheres. Que essa luta não fique só no papel.”
A campanha Agosto Lilás termina, mas a realidade que motivou sua criação persiste. A expectativa agora é de que as falas se convertam em ações contínuas. E que o poder público assuma, de fato, o compromisso de estar presente onde o ciclo da violência começa: no cotidiano invisível das mulheres que ainda não foram vistas.