Aparentemente, a ideia é levantar a necessidade de debater a liberação do uso.
21/07/2018 09h10
Por: Laís Eger Penha / Por Campo Grande News
Ninguém sabe quando o cartaz amanheceu na avenida Fernando Corrêa da Costa, na capital Campo Grande (MS), mas o papel colado em um poste diz para ninguém denunciar uma plantação de maconha. Aparentemente, a ideia é levantar a necessidade de debater a liberação do uso. Em local estratégico, no aspecto de visibilidade, a iniciativa não gerou simpatia em quem passa pelo poste e vê a maconha como problema.
A mensagem diz que a erva é uma aliada no uso medicinal e quem cultiva não financia o narcotráfico, muito a menos a insegurança. Estes também são pontos que abrem caminho para o debate sobre a descriminalização da droga no Brasil. Já quem vai contra diz que a maconha é a porta de entrada para o consumo de outras drogas mais nocivas e que a liberação não diminuirá o poder do narcotráfico, nem o da dependência.
Os depoimentos abaixo são de pessoas que viram o recado pela primeira vez, na tarde de ontem, 20 de julho, e ilustram bem a polêmica que há entre quem é a favor ou contra a legalização.
De acordo com o ambulante Ed Wilson, de 42 anos, “isso é um assunto muito complexo e maconha é melhor do que o álcool”, afirma.
Ele faz parte da minoria que, ao ler o recado naquela tarde, não acha ruim a liberação da cannabis. “Não sou contra, tem guri que usa ela como remédio e faz bem”, justifica.
Ed elogia a coragem de quem espalhou o recado e acredita, que apesar da oposição, o que vale é a resistência de quem insiste em propor um debate. “Isso aqui faz o cara pensar ou, pelo menos, põe a questão na sua cabeça. Porque se você não discutir, os assuntos ficam em branco como sempre”.
Mas ele acredita que o que falta é entendimento sobre a realidade de quem usa. “As pessoas ainda abominam, principalmente, porque é forte na periferia e o pobre é taxado como o que não presta. Enquanto os burgueses fumam escondidinho no carro e ninguém fala nada. É a sociedade impõe isso, aliás ela impõe o que a gente deve comer e beber, enquanto a maconha está no dia a dia de todo mundo”.
Na visão dele, quando a sociedade proíbe a droga, abre portas para o descontrole. “Deveria legalizar para ter uma acompanhamento, mostrar para as pessoas quais são os benefícios e malefícios do uso. Só assim a gente consegue controlar, proibir não é a solução”, acredita.
Na mesma hora o gerente Erivan Lacerda Lemos, de 54 anos, nota o recado e fica surpreso. “Achei que era até propaganda de limpeza”, diz. Ao refletir por alguns segundos, ele discorda. “Isso aí é muito polêmico. No meu pensamento, legalizar não é viável para a nova geração”.
Ele diz que o filho de 11 anos é a maior preocupação quando pensa no uso liberado. “Sobre financiar e liberar, sou contra. Acho que o assunto apenas tem que estar na grade escolar para conscientizar nossas crianças como não ir para o caminho errado das drogas”.
O assunto também preocupa quem vive o dilema da dependência química dentro de casa, diz o vendedor Ricardo Aquino de Araújo, de 44 anos, que trabalha na região. “A maconha pode ser a entrada para várias outras drogas. Eu tenho um irmão viciado em casa que, se descuidar, ele leva todas as coisas da minha mãe embora. É algo difícil”, conta.
A situação do irmão é uma dentre muitas em Campo Grande, cidade com acesso facilitado às drogas, que faz Ricardo desacreditar sobre os efeitos reais da legalização. Para ele, só prevenção e cuidado poderia reverter o caos da família. “Acho que a Prefeitura tinha que oferecer clínicas em que o cara é obrigado a ficar lá (para se recuperar). Nós já tentamos internar meu irmão e nunca conseguimos. Sou contra a liberação para plantar em casa, porque querendo ou não, ela é uma droga e afeta qualquer pessoa”, afirma.
Com bom humor o jardineiro Valdir Souza Nascimento, de 38 anos, também se diz a favor e ainda vê vantagem na legalização. “Eu acho que tinha que liberar para acabar com essas brigas. Assim cada um planta e usa como acha melhor. Se liberar, é mais um jardim pra eu cuidar”, brinca.
“Isso é maconha?”, questiona o aposentado Valdivino Ferreira, de 71 anos. “Parece maconha mesmo, mas eu não sou plantador, viu”, justifica ao reconhecer a planta. Apesar de ir contra o recado, ele acredita que a legalização não cabe no julgamento de todo mundo. “Eu acho que não tem que legalizar, mas se isso acontecer não sou eu que posso segurar. Planta e fuma quem quer”.
De passagem pela cidade, o trabalhador rural Bruno Nunes Teixeira estranha o recado. “Olha eu sou da fazenda e o povo de lá é mais enjoado com isso”, diz. Nem contra e nem a favor, ele só revela que “não denunciaria” porque já ouviu falar de um lado positivo. “Tem gente que usa como medicamento, quem sabe pode até ajudar”.